quinta-feira, 1 de abril de 2010






Da cordura à cor pura


Texto editado e ampliado desde o original publicado no Diário de Natal, em 16 de outubro de 2008.

Uma das mais instigantes experiências que tenho em meus contatos com as artes visuais, seja como professor ou quando me arvoro como critico de arte, ocorre quando descubro o que se pode chamar de um novo talento. Assim foi com o “surgimento” de Marcelo Fernandes, o encontro com Adonias Assunção ou, mais recentemente quando fui apresentado ao trabalho de Vinicius Dantas. Houve, porém, uma situação muito especial que foi descobrir as capacidades de artista visual em Claudio Damasceno, quem já conhecia como poeta, musico e performer. Na época exercitando-se com lápis esferográficos, Claudio me impressionou tão positivamente que o convidei, de imediato, a produzir as ilustrações do meu livro de poemas e contos “Os vértices do triangulo”. Desde então, venho acompanhando sua trajetória como artista visual, que inclui seu trabalho como designer gráfico, sua investidura com mosaicos e as colagens feitas com recortes de embalagens de confecções. Tais colagens originaram “Cordura”, obra exposta pelo artista, na Galeria Conviv’art, em 2008.
O conceito central de “Cordura” procura sintetizar uma abordagem social das afetividades encobertas (corações endurecidos) nos dias em curso e outra, de caráter formal, que nos leva ao colorido compacto das impressões uniformes de cores saturadas, especificamente o vermelho, o azul e o amarelo. A proximidade dos tons usados com as cores primárias de pigmento indica o tom direto, quase abrupto, que parece assumir o discurso plástico de Claudio, não obstante a variedade de temas explorados por meio de um misto de figuração e abstração, que resulta do refinado grafismo. Este, por sua vez, é associado ao entendimento e ao uso de recursos compositivos construtivistas. O conjunto coeso das trinta gravuras que compunham a exposição “Cordura” liga historicamente este trabalho ao modernismo em sua vertente construtiva, principalmente se consideramos a sua unidade baseada numa clara economia formal. Mas a aventura de Claudio na direção do resgate de valores modernistas ou, em geral, históricos ainda tem suporte na exploração das técnicas de recorte e colagem e na gravura artesanal o que, em última instância, também cria ponte com a pop art, considerada a fonte do material utilizado originalmente (cartões impressos de embalagem). Deve-se, entretanto, considerar o crivo eletrônico que as imagens criadas pelas colagens sofrem no meio do processo, antes de chegarem na confecção das telas e na precisão das impressões. Isto configura a atualização que o artista confere a estas tecnologias ao tempo em que sinaliza sua inserção nas pesquisas técnico-formais contemporâneas.
A pesquisa de Cláudio Damasceno leva-o, agora, para um aprofundamento de relações com a forma e a cor puras, uma vez saindo da exploração temática e figurativa para outra, mais abstrata, em que a perspectiva histórica construtivista parece ancorar na experiência brasileira do concretismo. A interface tecnológica e seu trato com a virtualidade – por enquanto vi apenas as imagens em versão eletrônica, faz, entretanto, a materialidade requerida pela teorética concretista evanescer ao mesmo tempo em que se afirmar, renovada, no espaço da contemporaneidade artística. Ou seja, embora ainda, para mim, virtual, o complexo jogo compositivo proposto pelo artista opera não apenas transições diacrônicas, no sentido histórico-temporal, mas assume a profícua possibilidade de expansões espaciais que vão das ampliações/reduções sob comandos digitais à penetração planetária em rede. Não está em jogo uma discussão sobre simpatias por culturas específicas, não obstante o “concretismo brasileiro” a que vejo filiar-se a obra de Cláudio. O mergulho estético deste artista é tão natalense quanto cósmico e seus temas ou a ausência deles, apoiada na forma, no circuito que fazem entre considerações sociológicas e especulações óticas desenham uma geografia totalmente aberta ao nosso conhecimento e deleite.

Vicente Vitoriano

Prof. Dr. do Departamento de Artes da UFRN, pesquisador da história da arte e do ensino de arte no Rio Grande do Norte.Artista visual, crítico e curador de artes visuais.

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