quarta-feira, 30 de novembro de 2011

EX-TUDO



Por fim, o estudo.


A instalação encontra-se onde normalmente funciona uma sala de aula do curso de Educação Artística da UFRN. Parte do equipamento da sala, as cadeiras, foi utilizada pelo artista Cláudio Damasceno para compor, recompor uma instigante obra de arte. No processo (dês)construtivo do novo lugar, o artista fixou as carteiras no teto, propondo um sentido de inversão funcional do ambiente, já que o equipamento assume a inutilidade e o estranhamento próprios do que é obra de arte. Não se podem usar as carteiras; apenas vê-las, inúteis, fixas no teto.
O artista mantêm o sentido de inversão quando deita ao chão um boneco, símile de um estudante ou de um professor, enfim de um usuário daquela sala. Terá este personagem caído de uma das carteiras ou está de fato em repouso? È um temporário distanciamento das tarefas corriqueiras ou é o momento de paralisação absoluta, quem sabe o personagem está morto? Todo modo, sua visão parece intensificada, assim como seus olhos projetados por um aparelho que se estende desde o seu rosto. Ele está deitado em um tapete de papel impresso, oriundo de um ou mais outdoors. O mesmo tipo de papel, em que ainda aparecem resquícios de letras, foi usado para recortarem-se as letras da palavra “Ex-tudo”, colada em uma das paredes. A palavra é tomada como título da obra. A princípio, a referência verbal, pelo material com que foi elaborada, dirige-se à publicidade ou, em sentido ampliado, à cultura de massas. A inversão, então, consiste em contrapor a cultura de massas, que se difunde nas ruas, à alta cultura, que também se pretende veicular numa sala de aula, na universidade. Quanto a palavra em si, “Ex-tudo”, teria pelo menos duas interpretações. Na primeira, ela é uma jocosa corruptela de “estudo”, o ato específico de quem estuda ou lê. Para o personagem da instalação, no seu repouso/morte, a última das coisas seria o estudo ou ele não estuda ou o estudo é passado, é ex, assim como a sala é uma ex-sala ou uma não-sala de aula. Noutra acepção, a palavra faz jogo com o prefixo, numa sinonímia para pós-tudo, depois de tudo. Como a instalação foi montada em uma escola de arte, este jogo conduz aos discursos críticos ou históricos da arte e suas adjetivações ou rotulagens de gêneros e estilos. O artista pode estar refletindo sobre a situação de crise criativa nas artes visuais, em particular referindo-se a instância límbica para as artes em geral e, inversamente, o autor indica que, em tal momento, depois de tudo sofrido pelas artes, resta ao artista a pesquisa, o estudo.
Em um meio em que poucos se ocupam em experimentar a instalação como forma de produzir arte, este trabalho de Damasceno merece atenção pela objetividade com que faz emergir os significados de sua obra, ao tempo em que amplia o esforço de alguns como Saionara Pinheiro, Candinha Bezerra ou Guaraci Gabriel.

Extraído do livro “INTRODUÇÃO À CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE”, publicado pela editora Grafset.


Texto crítico de Vicente Vitoriano sobre a instalação do design e artista plástico Cláudio Damasceno. Publicado no Diário de Natal em 06.02.2003.

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